Morrer Sozinho Abraçado a Um Sapato
- Matheus Aleph Zohar
- 8 de jan. de 2017
- 4 min de leitura

“És um daqueles que vive no manicômio, mas, do outro lado do muro?”
- Khalil Gibran
“...o louco é o homem que a sociedade não quer ouvir
e que é impedido de enunciar certas verdades intoleráveis.”
(...)
“Porque não é o homem, mas o mundo que se tornou um anormal.”
- Antonin Artaud
Como medir a saúde mental de um povo?
Na Idade Média qualquer pessoa que tinha alguma deficiência mental era considerada castigada por Deus e por isso vivia “possuída pelo demônio”. Em alguns casos eram abrigados pela igreja, ou acabavam internados em conventos. Entre os mais afortunados, havia aqueles com Síndrome de Down (alteração genética causada pela presença de um cromossomo a mais), geralmente se tornavam “Bobos da Corte”; vale lembrar que o Bobo da Corte, o Bufão, era o único capaz de ver e mostrar ao mundo a nudez do Rei.
Aproveitando-se da pecha de “louco”, “bobo” ele poderia falar abertamente contra o rei tornando-se um perigo em potencial para a realeza, sem correr o risco de perder a cabeça na guilhotina, bem como apontava os vícios de toda a sociedade. Seu papel era entreter e divertir a realeza. Para isso se utilizava da música, da dança, da mímica e das imitações, do chiste, da poesia e das histórias “sem sentido”, mas que guardavam uma Sabedoria Oculta. É o Curinga do Baralho escondendo cartas no caroço da manga.

É a figura esotérica do Louco que caminha pelo Mundo desapegado das ilusões do Mundo. Podemos compará-lo, como uma versão ocidentalizada, do Poeta Zen.
Mas foi principalmente no início da Idade Moderna que o tratamento às pessoas com problemas mentais se radicalizou e se desumanizou ainda mais. Não bastava ser condenado como “possesso”, precisava ser surrado brutalmente, ser torturado das formas mais cruéis, privado de comer e dormir. O indivíduo ficava isolado, preso com os demais “doentes sociais”; mendigos, inválidos, criminosos e libertinos, em celas e hospitais precários.

Se nas mãos da Igreja o indivíduo era o “Possesso”, o “Fruto do Pecado” castigado por Deus, nas mãos da Ciência ele se tornou a Anomalia Social por excelência.
Foi no Século XVIII com Phillippe Pinel, para muitos o pai da Psiquiatria, que houve o processo de libertação dos internos das prisões dos asilos para os manicômios; lugares destinados somente aos doentes mentais. Já no Século XIX, passou a se buscar a “Cura”, ou seja, a “Normatização” do Louco para integrá-lo à sociedade. As medidas para trazer o “Louco” para a “normalidade” eram: chicotadas, choques elétricos, banhos frios entre outros.
Para Michel Foucault “a doença só tem realidade e valor de doença no interior de uma cultura que a reconhece como tal”.
Utilizando-se do Mito de Édipo, Freud nos trouxe à baila a problemática sexual desencadeada na infância. A metáfora edipiana se tornou tão comum que hoje parece ser uma norma; você é considerado “normal” se você passa pelo Complexo de Édipo (ou de Electra, para as meninas). Caso contrário, se você é um Anti-Édipo (ou Anti-Electra) então você cai na anormalidade.
O poeta e dramaturgo Antonin Artaud escreveu sobre Van Gogh:
“Pode-se falar da boa saúde mental de Van Gogh, que em toda a sua vida apenas assou uma das mãos e, fora isso, se limitou a cortar a orelha esquerda numa ocasião.”

Van Gogh pode ser considerado como o símbolo do “Suicidado pela Sociedade” (termo cunhado por Artaud), outros “Suicidados” ilustres como Oscar Wilde, preso por ser homossexual, (ainda hoje a homossexualidade é considerada, para muitos, doença, distúrbio). Wilde, que também deu tesouros preciosos à humanidade e dele foi tirado tudo. O próprio Antonin Artaud se tornou o parafuso solto da Civilização Moderna.
No mundo do Politicamente Normal, a Insanidade é uma Virtude.
Ou a própria Cura.
Sabemos que há aqueles indivíduos que se tornam violentos e incapazes de conviver em segurança (para ele e para o seu meio) e são separados do convívio social. Mas esses não me preocupam. Eles não são a metástase da sociedade.
Os realmente perigosos são os Sociopatas, não necessariamente aqueles conhecidos pelo comportamento anti-social, mas os Ultrassociáveis; aqueles indivíduos que convivem em sociedade e desfrutam dos seus direitos e, muitos deles, têm a vantagem do sucesso social devido ao prestígio de certas posições de poder, ou ao status adquiridos através do dinheiro. E esse grupo se aproxima do grupo dos Psicopatas.

No entanto, o próprio Psicopata tem sofrido uma transmutação; além da predisposição aos crimes premeditados e aos cálculos exatos em cada passo do seu intento. Agora o Psicopata está praticando a simulação política como exercício à cidadania diante de causas sociais, o improviso e, para os mais requintados, a facilidade de lidar com o imprevisível.
A mutação é congênita tanto para um quanto para outro.
Ambas as espécies são encontradas nas redes sociais, além do convívio físico, e se homogeneizam com os ideais “politicamente corretos” erguendo bandeiras, defendendo causas e julgando aqueles que vão contra a sua lógica.
Sociopatia, psicopatia, esquizofrenia, neurose e estupidez se emaranham no dia a dia das “pessoas comuns”, seja nas brigas de trânsito, na competição acirrada, levada às últimas conseqüências, nas filas das lojas em dias de Black Friday, na discussão embasada pelo ódio e pela hipocrisia ao se lutar pelos seus “direitos”, nos protestos em praça pública, na alienação de suas escolhas duvidosas, no pastar conformado junto ao rebanho, na pornografização alimentada pelas mídias, nas crianças chapadas de Ritalina e outras drogas pró-normalidade, nos atentados terroristas, na masturbação verbal dos discursos políticos, nas campanhas eleitorais do permissível e por aí.

A humanidade continuará, por mais um tempo, com o seu caminhar incansável na busca da normalidade, e não mais como o Louco transmitindo sua Sabedoria oculta nas frases, poemas ou histórias “sem sentido”, mas como ratos de laboratório da Indústria Farmacêutica, como cobaias militarizadas do sistema de descarte, como subservientes do esquema “Problema-Reação-Solução”, em que o governo cria as próprias dificuldades sociais para depois vender facilidades na resolução desses problemas.
Enquanto o Louco continuará sendo “suicidado” pela sociedade, seja como anônimo sendo rechaçado pela família e pela religião por ser considerado um bicho de Sete Cabeças, seja se automutilando ao cortar a própria orelha (Van Gogh), seja conversando com o papel de parede descascado do quarto de um velho hotel (Wilde), ou morrendo sozinho em um hospício, aos pés da cama e abraçado a um sapato.

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