Em Busca do Paraíso Perdido
- Mateus Machado
- 7 de out. de 2016
- 7 min de leitura
“Por mim se vai à cidade dolente,
Por mim se vai à eterna dor,
Por mim se vai à perdida gente (...)
Deixai toda a Esperança, ó vós que entrais”
- Dante Alighieri (Inferno - Canto III)

A Metafísica do Mal
“Escolha sua vida. Escolha seu futuro. Escolha seu emprego. Escolha sua carreira. Escolha sua família. Escolha uma televisão enorme, um carro último tipo, celular de última geração e micro-ondas. Escolha tudo isso e tente imaginar-se feliz, entre todas essas coisas, num domingo de manhã. Mas por que escolher só coisas como essas? Será que você sabe as razões? Será que existem razões? Ou será que é tudo uma questão de escolha?.”

Assim começa o filme Trainspotting - Sem Limites, baseado no livro de Irvine Welsh, falando basicamente sobre o vício em heroína. Na década de 60 Lou Reed já cantava em Heroin os versos “Its my wife and its my life”.
Não é de hoje que a humanidade vem se debatendo com a problemática do consumo de drogas ilícitas, e também as lícitas, diga-se de passagem. Mais do que ultrapassada é a postura americana de repressão e guerra militarizada contra as drogas. Isso porque o problema sempre existiu e continuará existindo enquanto o ser humano se debater com seus conflitos existenciais.
O poeta Charles Baudelaire foi um dos primeiros a escrever sobre o tema em seu pequeno livro lançado em 1858, Les Paradis Artificiels (Os Paraísos Artificiais), onde ele conta suas experiências no Clube do Haxixe; uma espécie de clube formado por artistas e outros escritores da época.

Antes dele, o escritor inglês Thomas De Quincey, em seu livro Confissões de um Comedor de Ópio, relatou sua experiência de viciado entre quartos deploráveis, comendo e vivendo muito mal. Mas acima de tudo, o livro se tornou um ensaio sobre a interferência do subconsciente nos sonhos.
A posição de Baudelaire é a de uma “Metafísica da Droga”; havendo uma nata compulsão humana, gravada no DNA da sua Alma. O Homem é levado a buscar o “Paraíso Perdido”, ou seja, a busca de sua condição antes da Queda, ou como dizem os cristãos mais tradicionais, “antes do pecado”. Uma busca existencial; ainda que essa busca seja inconsciente.
O Fruto da Árvore do Bem e do Mal era tóxico e viciava. E transformou os sonhos do Homem em pesadelos e os seus pesadelos em realidade.

Esse desejo de querer atingir o Céu ou algum lugar edênico, ou um estado de puro êxtase como o Nirvana, para se livrar dos horrores e das dores da vida, ainda que por um breve período de tempo, pode ser satisfeito através da Religião ou das Drogas; ambas trazem uma carga de ilusão e dependência, com algum alívio ou prazer embutido em seu modus operandi.
Em um conto zen, um discípulo pergunta a seu mestre: - Mestre, como faço para sair do Samsara? E o mestre lhe responde: - Quem te colocou lá? - Naquele momento o jovem discípulo entende a mensagem do mestre e atinge a iluminação. Entrar ou sair. Tudo é escolha.
Penso que o uso de tóxicos tenha se intensificado com o advento da industrialização e sua dessacralização da Vida, ou do Humano, pelo desenvolvimento cientificista e pela desmoralização espiritual.

A perda de referências mitológicas, de símbolos e arquétipos, obrigou boa parte da humanidade, principalmente nós ocidentais modernos, destituídos de nossos próprios mitos, a buscar outro farol sinalizador para os anseios de nossa alma peregrina.
Em nosso mundo atual o uso de determinadas drogas é ditado pela moda, acompanhadas das tendências de comportamento. Hoje, drogas ilícitas estão atreladas ao próprio status, à ostentação de algum poder, e a busca desse perfil começa desde muito cedo, a ambição por esse tipo de poder já é despertado na infância.
A engrenagem é bem complexa, mas a organização do tráfico é bem ordenada. Crianças e jovens são recrutados para trabalhar em prol da disseminação do crime. Apologias não faltam, mas criminosos são encontrados tanto nos pontos de tráfico quanto nas Instituições Governamentais.

Em dado momento eles dão-se as mãos; traficantes e governo. Ora, governar um país de viciados é bem mais fácil; você tira do indivíduo todo o seu poder pessoal, de escolha, de decisão. No mais é só mostrar o maná dos céus que qualquer viciado se comportará como um cão adestrado.
E a violência para quem fica? O preço da violência alimentada pelo tráfico é pago por todos e com altos juros. Proibições e atitudes opressivas agravam ainda mais o problema; São paliativos que nos desviam do real problema e de uma solução mais eficaz, ao menos lúcida.
Seja como for, a Educação é um dos pilares para minimizar o problema. Outro pilar é a busca por referências mitológicas para uma (re)sacralização da própria Vida ou, em última análise, do próprio ser humano.
Ruptura Total (As Novas Drogas)
“E há tempos nem os santos tem ao certo a medida da maldade”
- Renato Russo

O Vício é egoísta. O Vício não sabe esperar. O Vicio se faz de vítima e usa de chantagem emocional. O Vício é agressivo e não suporta receber um “não”. O Vício é um amante ciumento e possessivo. O Vício é mentiroso. O Vício sempre diz ter razão. O Vício despreza a morte. O Vício conhece a dor, a ilusão, o preconceito e a solidão, o seu sobrenome é Desespero.

Claro, é muito fácil filosofar quando não é você que está ferrado, na merda.
Pessoas se viciam porque o vício traz uma sensação de prazer, de alívio. Em alguns casos é porque há falta ou há problemas com certos neurotransmissores, como a serotonina. A Vida é Sofrimento, já dizia Buda. E Arthur Schopenhauer completou mais tarde - "Como somos obrigados a viver, devemos sofrer o menos possível”. Atalhos e alternativas existem.
Há dependentes químicos em todas as classes sociais, em todas as culturas e épocas. A história pessoal de cada um pode variar. Há indivíduos que já nasceram em uma família ou em um meio ambiente desestruturado, há aqueles que “aparentemente” não teriam motivo nenhum para se afundar na lama do vício. Há aqueles que herdaram o vício; sangue do meu sangue. Há aqueles que, por curiosidade ou para se socializarem, escolherem experimentar.

O escritor William S. Burroughs na década de 50, com seu livro Junkie e mais tarde com Almoço Nu, já falava sobre o vício de opiáceos como “Doença”. Hoje, em muitos países, o vício já é tratado como um problema de Saúde Pública.
E essas novas drogas, de vício rápido e altamente destrutivas? Drogas como a Krokodil e a Cloud Nine, só para citar duas. São capazes de destruir completamente ou matar o usuário em um período de tempo muito curto.
Para que haja um lucro em médio e longo prazo a droga precisa destruir lentamente (seja álcool, açúcar branco, coca-cola ou cocaína), ser “contornável” a ponto de poder contê-la, ainda que em breves períodos de tempo. Ela precisa “dar uma chance”, ainda que ilusória, ao usuário. Algumas pessoas trocam definitivamente o uso de determinada droga convertendo-se a uma determinada religião, ou mesmo se dedicando a uma prática esportiva ou à alguma causa pessoal, nesse ponto já não importa o motivo.

O Vício continuará instalado em seu corpo, adormecido, esperando o menor vacilo do “ex usuário”, seu hospedeiro.
Agora, em se tratando dessas novas drogas, que lucro o tráfico pode obter com a venda desses tóxicos?

A droga russa Krokodil (crocodilo), cujo um dos principais compostos é a alfa-clorocodida, é considerada semelhante a heroína e para muitos é a droga mais mortal do mundo, até agora. Seu principal ingrediente é a desomorfina, obtido através da codeína. Um dos principais motivos do uso é o fácil acesso pois é facilmente produzida; usando ingredientes como codeína, thinner, fósforo, ácido clorídrico e outros. Com isso o custo fica muito baixo. A expectativa de vida de um usuário é de dois a três anos. A droga, também apelidada de “droga zumbi”, apodrece a carne podendo até descolar do osso e cair em pedaços, além de fazer explodir os vasos sanguíneos onde a droga é injetada. Os efeitos duram pouco tempo, a pele do usuário torna-se cinza esverdeada e começa a escamar, por isso o nome “crocodilo”. A desintoxicação é bastante lenta e dolorosa, as sequelas são profundas. O uso da droga tem aumentado rapidamente em todo o mundo.
A Controversa Cloud Nine, ou Sais de Banho, por se parecer com cristais, também chamada por alguns de “Droga Zumbi” ou “Droga Canibal”, é outra dessas novas substâncias com grande poder de destruição.

Sabe-se pouco sobre ela, há quem diga que ela veio da China. Seus efeitos vão desde o aumento da libido e da sociabilidade, passando por psicose e alucinações fortíssimas; muitos usuários ficam nus devido à intensa sensação de calor.
A maior controversa é que esta droga pode estar associada ao canibalismo. Há alguns casos de ataque, talvez o mais famoso foi o que ocorreu em Miami, E.U.A., em 2012, quando um rapaz completamente nu, agrediu um morador de rua e devorou seu nariz, olhos e lábios. O jornal que publicou o acontecido foi o Miami Herald, apoiado nas informações da polícia envolvida no caso.

Um mês depois aparece outra publicação pelo Miami Herald dizendo que o rapaz (Rudy Eugene) não estava sob o efeito da Cloud Nine quando atacou sua vítima e que, segundo um exame toxicológico, só havia Maconha no sangue do agressor. Suspeito não? ah!...Rudy Eugene foi morto a tiros pela polícia, no dia do incidente, devido a sua agressividade e descontrole.
A Maconha não é uma droga estimulante, ainda que possa levar à agressividade em casos isolados, penso que é muito difícil levar o usuário a cometer canibalismo como no caso de Miami. Entre fatos e boatos, sabemos que mais casos tem surgido no mundo todo.

Para quem não se lembra o Crack surgiu no Brasil no início da década de 90, e o que pareceu estar “sob controle’ na época, hoje o quadro tornou-se epidêmico.
Sabemos que o químico Walter White, personagem da premiada série Breaking Bad, começa a produzir e a vender anfetaminas com um ex-aluno para assegurar a vida financeira da família. Mas quem plantou as novas Sementes do Mal?

Muito improvável que um indivíduo qualquer misture uma série de ingredientes aleatórios e descubra a fórmula da Krokodil, por exemplo. Você precisa ter um certo conhecimento de química, ainda que superficial, para fazer experiências até produzir uma nova droga que cause determinados efeitos. E no caso dessas novas drogas, não há lucro para o tráfico; os ingredientes são acessíveis e baratos, de fácil produção. Mas uma droga não surge do nada. Alguém plantou a semente. Negócios escusos? Coisa de Répteis?

Estão jogando com a dignidade humana; e no caso dessas novas drogas a dignidade já deixou de existir faz tempo.
Enquanto isso, os que buscam ao menos um vislumbre do Paraíso Perdido, pagam um preço altíssimo, não para entrar definitivamente no Paraíso, mas para viver o Inferno na Terra.
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