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Escritores Gateiros

  • Mateus Machado
  • 23 de set. de 2016
  • 6 min de leitura

Ao que parece sempre houve uma afinidade e cumplicidade entre escritores e felinos. Ao longo da história escritores do mundo todo, em especial os poetas, foram associados à vida boêmia, noturna, independente e, diga-se de passagem, nem sempre foram bem vistos e aceitos; um estilo de vida fácil de reconhecer nos bichanos. Muitos desses escritores e poetas registraram em suas obras essa cumplicidade.


Poetas franceses como Theóphile Gautier (1811-1872) e Charles Baudelaire (1821-1867) exaltaram a beleza, a sensualidade e a nobreza dos gatos – "Se os meus dedos afagam no lazer/ tua testa e teu dorso elástico/ se minha mão se embriaga de prazer/ de apalpar o teu corpo elétrico" – nestes versos Baudelaire fala abertamente do prazer que a companhia felina lhe dava.

T. S. Eliot (1888-1965) escreveu o Livro do Velho Gambá Sobre Gatos Travessos (Velho Gambá foi o apelido que Eliot ganhou de seus afilhados); as personagens são gatos em papéis humanos. Já no primeiro poema o poeta adverte – "Dar nome aos gatos é um assunto traiçoeiro (...) mas a um gato cabe dar um nome especial" – inicialmente era para ser um livro para crianças mas acabou caindo no gosto dos adultos. Em 1980 o compositor inglês Andrew Loyd Weber usou esses poemas para o seu musical Cats, que se tornou um dos grandes sucessos da Broadway.


James Joyce (1882-1941), considerado um escritor cerebral, difícil, escreveu The Cats of Copenhagen, um conto para crianças que Joyce enviou, anexado em uma carta de 1936, para o seu neto Stephen. Outro livro infantil que Joyce escreveu é O Gato e o Diabo; também fruto das cartas ao neto.


No livro Navegações e Regressos de Pablo Neruda (1904-1973) há um poema chamado Ode ao Gato em que ele diz que todos os animais nasceram imperfeitos, mas que o gato – "só o gato/ apareceu completo e orgulhoso: nasceu completamente terminado/ caminha sozinho e sabe o que quer" – chamando-o de “mínimo tigre”. No fim do poema Neruda confessa que tudo sabe na vida mas que não pode decifrar um gato.



Jorge Luis Borges (1822-1986) era apaixonado por felinos em geral e obcecado por tigres desde a infância. Em sua obra há textos e poemas sobre tigres, panteras, leões etc. No livro O Ouro dos Tigres há o poema A Um Gato que nos versos finais diz – "Aceitaste o amor dessa mão receosa/ em outro tempo estás/ tu és o dono de um espaço cerrado como um sonho" – sobre a mítica atemporalidade dos felinos. Em outro texto Borges fala que todo o universo (e seus segredos) está criptografado nas listras dos tigres e quem conseguir decifrá-los terá em mãos a chave do universo.


Na década de 50 nos E.U.A. surgiu um grupo de escritores e poetas, conhecidos como beatniks, que fez a cabeça de toda uma geração e ainda hoje suas obras influenciam não apenas a literatura e a música mas também outras manifestações artísticas. O escritor mais famoso desse grupo é Jack Kerouac (1922-1969), autor de obra extensa e de conteúdo autobiográfico, incluindo romances, novelas e poemas. Kerouac foi o principal responsável por popularizar o estilo de vida “pé na estrada”, mochileiro, e o gosto por aventuras, indo contra os valores sociais da época. Kerouac foi outro amante dos gatos e teve vários durante sua vida. No romance autobiográfico Big Sur, lançado em 1962, ele fala, dentre outras coisas, do sofrimento ao saber da morte de seu gato Tyke – "Em geral a morte de um gato tem pouca importância para a maioria dos homens (...) mas para mim, e aquele gato, era exatamente e sem mentira e sério mesmo como a morte do meu irmãozinho. Eu amava Tyke com todo o meu coração, ele era o meu bebê que ainda filhote dormia na palma da minha mão pendurando a cabecinha para baixo (...) ele tinha total confiança em mim. E quando eu saí de Nova York (...) dei um beijo nele e pedi que me esperasse"


Em outro trecho do livro Kerouac revela – "...meu relacionamento com o gato e com os outros gatos antes dele sempre foi meio doido: alguma espécie de identificação psicológica dos gatos com meu falecido irmão Gerard que me ensinou a amar os gatos quando eu tinha 3 e 4 anos e a gente costumava deitar no chão de barriga para baixo e olhar os bichanos tomando leite"

O poeta Allen Ginsberg, mas principalmente William S. Burroughs, outro escritor ligado aos beats, foi um gateiro apaixonado e dedicou seus últimos anos de vida aos gatos. Entre 1984 e 1986 ele escreveu O Gato Por Dentro, um pequeno livro de reflexões e memórias. Nesse livro Burroughs fala sobre os gatos que passaram pela sua vida turbulenta. Há trechos comoventes em que ele e seus gatos parecem conversar por telepatia – "Enquanto faço as malas para uma rápida viagem a Nova York, onde vou discutir o livro dos gatos com Brion, na sala da frente, onde ficam os gatos, Calico Jane amamenta um filhote preto. Pego a minha valise, que parece pesada. Olho ela dentro e encontro seus outros quatro filhotes. “Cuide dos meus bebês. Leve-os junto com você, aonde quer que vá.” "


Há trechos cômicos e surreais sobre uma linhagem de gatos mutantes; gatos que voam, gatos aquáticos com membranas entre os dedos, gatos verdes com pele de réptil e gatos-gambás que, em sinal de perigo, soltam um jato fedorento e mortal, e por aí vai.


William Burroughs conta que o seu relacionamento com seus gatos o salvou de uma ignorância mortal, além de ajudar a sua saúde mental.



De modo controverso ele não acreditava que a domesticação dos gatos tenha acontecido pela sua eficácia na caça aos ratos – "gatos não começaram como caçadores de ratos. Doninhas, cobras e cães são mais eficientes como agentes de controle de roedores. Eu postulo que os gatos começaram como companheiros psíquicos, como Familiares, e nunca se afastaram dessa função" – A ideia do gato como “Familiar”, um espírito doméstico, já foi citada por Charles Baudelaire.


Burroughs também acreditava que uma das maiores diferenças entre cães e gatos é que; os cães tem noção do certo e do errado, os gatos não. Eles estão acima do certo e do errado. Ele teve muitos gatos, entre eles: Ruski, Calico Jane, Ed e Fletch. Sua casa era um lar para os gatos, para qualquer um que aparecesse por lá. Ele também acreditava que os cães e gatos deixam sinais, seus recados, por onde passavam. Recados olfativos do tipo: “Cuidado com o Cão” ou “Bom lugar para se conseguir comida” ou ainda “Aqui mora um velho maluco que odeia animais. Fujam!”. Burroughs notou que cães vira-latas nunca passavam pela sua casa, como se na frente dela houvesse um enorme cartaz (palavras dele) dizendo: “Esta porra é uma casa só de gatos”.


O intratável e debochado Charles Bukowski (1920-1994) com sua escrita seca, cética e maldita, era outro gateiro inveterado. Ele tinha nove gatos em sua casa – "Os visitantes são raros nesta casa. Meus nove gatos correm loucos quando um humano chega" – Em seu livro O Capitão Saiu para o Almoço e os Marinheiros Tomaram Conta do Navio, Bukowski conta que numa noite seu computador deu pau, ficando completamente maluco. Na manhã seguinte ele levou o aparelho na assistência. Quando o rapaz abre o aparelho, um líquido amarelo e de cheiro forte espirra em sua camisa branca e ele grita “mijo de gato!”. O problema, contou Bukowski, era que – "a garantia não cobria nenhum dano por mijo de gato"


No mesmo livro ele continua – "Gosto de olhar os meus gatos, eles me acalmam. Eles me fazem sentir bem" – Antes de ser consagrado e ter sua obra reconhecida, ele viveu o fio da navalha – "Algumas pessoas escreveram que meus livros as ajudaram a seguir em frente, me ajudaram também. Os livros, os cavalos, os nove gatos".

Há muitos outros escritores gateiros, homens e mulheres, que tiveram suas vidas e suas obras inspiradas em nossos amigos felinos; a poeta Orides Fontela, a escritora Lygia Fagundes Telles, os escritores Ernest Hemingway, Ezra Pound, Guimarães Rosa, Victor Hugo, Edward Gorey, Jean Cocteau e tantos outros. Isso sem contar a literatura infanto-juvenil. Quem não se lembra do Gato de Cheshire com seu sorriso enigmático em Alice no País das Maravilhas?


Segue abaixo um site bem legal com poemas e textos de escritores e poetas, famosos e anônimos, sobre gatos e outro apenas com citações:


Para finalizar, William Burroughs manda um recado para todos os gateiros – "Todos vocês que amam gatos lembrem que os milhões de gatos que miam pelos quartos do mundo depositam toda a esperança e confiança em vocês (...) A vida, como ela é, continua (...) Wimpy rola e se aconchega aos meus pés, ronronando- Eu amo você eu amo você eu amo você. Ele me ama. Miiiiaaaaauuuu...A distância de lá até aqui é a medida do que eu aprendi com os gatos".




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Mateus Machado


Escreve também para o portal Olhar Crítico


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