Gato Preto na Lista Negra
- Mateus Machado
- 17 de set. de 2016
- 7 min de leitura
"Se fosse possível cruzar o homem com o gato,
melhoraria o homem, mas pioraria o gato"
- Mark Twain
"Nunca conseguirás convencer um rato
de que um gato traz boa sorte"
-Graham Greene
Deusas Gatas
Caminharemos por um terreno espinhoso, e por isso mesmo o melhor a fazer é pisar leve, como um...gato.

A simbologia do gato é uma das mais controversas e interessantes do reino animal e, dependendo da época e da cultura, foram adorados e odiados ao extremo. Se a figura do gato em si já é intrigante, gato preto então da o que falar. Sabemos da adoração gateira que os egípcios tinham; chegavam até a mumificar os bichanos quando eles morriam, entre outras coisas. Bastet, a deusa gata, representava o amor, a sexualidade e a fertilidade, era uma benfeitora da humanidade.
Outras culturas antigas também adotaram o gato de forma benéfica. A deusa romana Vênus, na região do mediterrâneo, era representada por uma gata. Na cultura germano-escandinava Freya, outra deusa da fertilidade e da sexualidade, tinha uma carruagem puxada por gatos. A deusa celta Cerridwen, durante os seus rituais de fertilidade, assumia a forma felina. Diana, ou Artemis, deusa greco-romana, também se transformou em gata para fugir do Olimpo, são apenas alguns exemplos.

O que todas essas culturas pré-cristãs tinham em comum?
Primeiro, a associação benéfica com os gatos, geralmente simbolizando sexualidade, fertilidade, entre outros valores femininos, que também foram compartilhados com os felinos. As coisas começaram a se complicar quando religiões monoteístas começaram a se expandir por toda a Europa, e mais tarde nas Américas. Tais religiões não viam com bons olhos o culto a outros deuses, e condenaram tudo aquilo que estava associado a esses deuses e seus cultos. Em uma tradição judaica encontramos a figura de Lilith, primeira mulher de Adão, que aparece em uma lenda terrível; depois de ter sido expulsa do Éden, ela tornou-se uma gata-vampiro que invadia as casas e matava os bebês enquanto dormiam. Provavelmente dessa lenda se originou a superstição insana de que os gatos podem sufocar e matar os bebês, impedindo-os de respirarem.

A Idade das Trevas
Mas foi na Idade Média, com a expansão do cristianismo, que teve início a Caça às Bruxas e, em consequência, a perseguição contra os felinos. A partir do século VII os gatos passaram a representar a heresia, e o gato preto passou a representar o Diabo. A obsessão pela caça às bruxas ganhou ainda mais força no século XV. Observando a História damos conta de que a figura do gato é tipicamente pagã, politeísta, associada principalmente às deusas, ao culto do feminino. A intolerância das novas religiões não perdoaria nada que estivesse ligado a essas antigas crenças, que sobreviveriam nos guetos; as pessoas, que antes tinham liberdade para se comungar com as forças e manifestações da Natureza, passaram a cultuar suas divindades às escondidas, com medo da repressão e perseguição da igreja. Alguns elementos reforçaram ainda mais a má fama que os gatos adquiriram nessa época; sendo independentes, não “domesticáveis”, se comparado aos cães, de hábitos noturnos, silenciosos. Tudo contribuía para alimentar ainda mais a desconfiança das pessoas. Na tradição judaico-cristã o gato e a serpente se aproximam em sua simbologia, pois ambos representam o pecado. E a mulher, em algumas religiões, é veículo ou instrumento do pecado.

Uma lenda na Alemanha conta que uma mulher, depois de acusada de bruxaria, foi condenada à fogueira, transformando-se em gato preto no momento em que o fogo à consumia. É interessante que, no cristianismo mais primitivo, há uma lenda em que uma gata dá a luz, na manjedoura, ao lado da Virgem Maria, novamente um paralelo com a figura feminina. Desse ponto de vista a mulher e o gato compartilham da mesma saga de discriminação, perseguição e descaso. E mesmo nos dias atuais é fácil encontrar resquícios dessa herança.

Como se não bastasse, os gatos também foram acusados de serem os portadores da peste negra. O que não deixa de ser uma contradição absurda, já que os gatos tinham um papel importante no controle de roedores, nas aldeias e principalmente nas grandes cidades. A matança dos gatos, muitos deles queimados nas fogueiras, quase os levou à extinção em vários países da Europa, por conta disso o número de ratos e insetos aumentou de maneira alarmante, disseminando doenças e outros males, levando à morte um número incontável de pessoas, devastando cidades inteiras.
Conta-se que na Inglaterra o rei Carlos I tinha um gato preto de estimação. Ele acreditava que seu bichano dava lhe sorte. O gato morreu um dia antes de o rei ser preso e, acusado de traição, o monarca foi decapitado. O gato preto se tornou alvo das mais terríveis superstições; a eles foram dados poderes malignos. Em uma época em que as dualidades bem/mal, luz/trevas, dia/noite foram ainda mais acentuadas; o gato preto foi facilmente ligado ao mal, às trevas. Sua cor negra em contraste com seus olhos brilhantes que faíscam na escuridão tornou-se uma imagem temida por todos. Uma superstição comum em toda Europa diz que para se proteger uma casa de roedores, se fazia necessário sepultar um gato vivo na fundação ou em uma das paredes da construção. Algo semelhante é encontrado na Tailândia, onde os gatos eram enterrados na fundação ou embutidos nas paredes para que as almas das pessoas mortas da casa pudessem entrar no corpo dos gatos e fugirem para o céu, usando uma rota para a fuga que era feita na construção. Talvez baseado nesta superstição do gato embutido na parede que o escritor estadunidense Edgar Allan Poe (1809-1849) escreveu um de seus contos mais famosos e horripilantes: O Gato Preto.

“Ao referir-se à sua inteligência, minha mulher, que, no íntimo de seu coração, era um tanto supersticiosa, fazia frequentes alusões à antiga crença popular de que todos os gatos pretos são feiticeiras disfarçadas (...) Pluto - assim se chamava o gato”.
No início da colonização nos E.U.A as pessoas acreditavam que a tuberculose poderia ser curada com uma sopa de gato preto. Na Itália, um gato preto na cama de uma pessoa doente era sinal de que ela morreria em breve. Na Irlanda, encontrar um gato preto em noite de lua cheia significa que a pessoa morrerá por epidemia. E matar um gato traz dezessete anos de azar. Podemos encontrar inúmeros exemplos, envolvendo azar e, em casos raros, sorte, como na Escócia que, se um gato preto aparecer na casa de alguém, é sinal de prosperidade. Fato é, estejamos certos disso, que durante séculos os gatos, pretos ou não, foram torturados em massa em rituais de crueldade deflagrados principalmente pela Inquisição. Em resumo, se toda a crueldade cometida contra os felinos for colocada no papel, este artigo ficaria muito macabro, fazendo qualquer filme de terror barra pesada ficar parecendo um episódio do Teletubbies.
Em pleno século XXI, longe da histeria do passado, a má fama do gato preto foi amenizada; hoje ele é visto apenas como um animal de mau agouro, que traz azar. Penso que a cor preta talvez não seja o elemento mais importante para a crença de atrair azar. O que dizer dos cães de cor preta? Nunca ouvi falar de cão preto que da azar. Acredito que o elemento fundamental neste caso seja, independente da cor, os hábitos noturnos dos gatos; caçadores noturnos envoltos na escuridão. Em nossa cultura a cor negra representa também o luto; nossa visão da morte é como algo ruim. Mas para as culturas pagãs a cor negra tem uma representação muito mais positiva, simbolizando a fertilidade da terra, a escuridão da terra (do útero) de onde a semente germinará; novamente os valores femininos. Em tais culturas primitivas é a cor branca que, geralmente, é associada com a morte e o luto; elas reconheciam a morte na cor branca dos ossos dos cadáveres.
A Mística dos Gatos

No início do século XX houve um renascimento da religião pagã, chamada de neopaganismo. Entre as vertentes desse novo paganismo a mais conhecida é a Wicca, que vem resgatando os antigos cultos e rituais de adoração à Deusa-Mãe e à Natureza. Uma das festas pagãs mais populares é a do Halloween, comemorada no dia 31 de Outubro, em que é fácil encontrar a figura do gato preto. Para muitos wiccanos o gato é um animal místico por excelência. Eles acreditam que possuir um gato é uma maneira de ter uma ligação com a Deusa, com o mundo dos mistérios. E se for um gato preto é ainda melhor, já que é a cor que concentra mais poder e melhor canaliza as energias. Isso faz com que o gato preto seja, de todos, o mais poderoso talismã vivo de olhos brilhantes. Também cabe ao gato o poder da clarividência, da divinação, da intuição e da sabedoria. Então, ter um gato em casa traz bons fluídos e equilíbrio ao emocional, físico e espiritual. Virtudes que hoje a ciência vem comprovando; basta dar uma olhada na edição de maio/junho de 2013 da revista O Pulo do Gato, página 06.
Mas a mística do gato preto não para por aí. Hoje há tarôs que usam gatos como personagens; Tarot of Pagan Cats, Cat’s Eyes Tarot, Gatti Tarot e outros.

Alberto Marsicano (1952-2013) escritor e músico, introdutor do sitar no Brasil, em seu livro A Linha do Oriente Na Umbanda (editora Madras) fala sobre as influências cético-druida portuguesa, e que tal tradição legou à Umbanda algumas entidades (Exus e Pombo giras), entre elas o Exu Gato Preto, guardião dos caminhos e protetor contra as forças negativas. Este exú possui duas versões onde numa ele foi morto por praticar sodomia com outros homens e ao ser torturado e morto pelos inquisidores, o calabouço onde ele foi torturado e morto se encheu de gatos pretos que apareceram misteriosamente. Outra versão diz que ele era praticante de alta magia na Irlanda antiga e que vivia no interior de uma caverna e usava o gato preto para trazer imortalidade, pois a lenda diz que os gatos possuem nove vidas.

A débil superstição contra o gato preto ainda prevalece nas mentes menos esclarecidas. Pesquisas em gatis, ou em associações de animais, comprovam que gatos pretos são mais difíceis de serem adotados. Felizmente nos dias atuais, apesar de ainda haver vestígios de tais superstições, a reputação felina vem ganhando respeito e reconhecimento. Fica para nós a lição histórica dessas encantadoras criaturas. Que sejamos mais sábios, mais tolerantes uns com os outros, independente de nossas crenças, raça ou posição social. E, se não podemos ser mais felinos, que então sejamos mais humanos.
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Mateus Machado
Escreve também para o portal Olhar Crítico
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